A capacidade de estabelecer limites é a maior prova de liberdade” (Acciolly)

UM PROCESSO DE DESCOBERTA

Penso que todos nós, em algum momento de nossas vidas, e motivados por questões distintas, sentimos uma forte necessidade de buscar o “colo” da nossa mãe. Já fiz isso várias vezes e desta vez não foi diferente! Atravessando um momento de vida perturbador, de profunda tristeza e com muitas perguntas a serem respondidas, senti necessidade de buscar “algo” que me trouxesse um maior equilíbrio emocional. Depois de muito refletir, chorar, contar, escrever, acabei chegando no bordado. Este simples fazer manual me transportara imediatamente e carinhosamente à época em que era menina e ficava horas ao lado da minha mãe, na garagem nos fundos da casa onde morávamos em Pirassununga. Hoje entendo que era seu ateliê. Me lembro da máquina de costura, de uma grande mesa de apoio e de muitos tecidos, feltros e linhas coloridas. Passava horas ao lado dela fazendo meus pequenos bonecos de feltro. Quando volto à este tempo sinto uma sensação muito prazerosa e nostálgica.

          Então, resolvi resgatar este cenário acolhedor e fui visitá-la. Lhe contei o motivo pelo qual estava ali, disse que queria fazer um pano de amostra e lhe pedi que me recordasse os pontos básicos de bordado: ponto atrás, ponto haste, ponto alinhavo e nó francês. Neste mesmo dia, passei horas a fio relembrando os movimentos da agulha que iam deixando o tecido bem repuxado, cheio de franzidos, pois os músculos das minhas mãos estavam enrijecidos e os movimentos eram um tanto quanto desajeitados.  Naturalmente as imagens e sensações da garagem da casa em Pirassununga vieram de forma intensa, prazerosa e inusitada para mim. Estava despreocupada com o resultado final e não tinha qualquer compromisso de data de entrega. Isso foi um alívio, diante de tantas preocupações da vida cotidiana. Me deixei levar pelo clima que me cercava e a cada movimento das mãos eu podia apreciar com alegria a imagem ia surgindo, vagarosamente, de forma viva, alegre e vibrante. Em algum momento, ignorei o risco à lápis que havia feito no tecido e deixei minhas mãos trabalharem livremente. Isso me trouxe uma sensação diferente, de descoberta, até de suspense ao ver os alinhavos iniciais irem se transformando pouco a pouco em algo não planejado.

Depois de dois dias de entrega a este fazer manual, finalizei minha “obra”. O resultado nos trouxe certa curiosidade a ambas, pois era muito diferente do tipo de bordado que ela e minha avó sempre fizeram, e que eu sempre as vi fazendo. “Aquilo” não foi uma copia de nada ou de ninguém! “Aquilo” saiu de dentro de mim.

Isso me fez parar, refletir um pouco e voltar para casa carregando, além da sensação de colo de mãe que eu fui buscar, trouxe uma sacolinha com retalhos de tecidos, fitas de diversos tipos, linhas de várias cores e espessuras, muitas agulhas, alfinetes, papel carbono e uma enorme sensação de paz que eu há tanto tempo buscava.

Teria descoberto algo importante? Me ajudaria em algo? Daria continuidade? Certamente, não tinha estas respostas.

Sem ter a mínima ideia de onde eu iria chegar, mas com a genuína intenção de descobrir coisas novas e de navegar por outros mares, comecei a bordar tudo o que via pela frente. Fiz muitas pesquisas, tão disponíveis em plataformas online e comecei a salvar alguns modelos de bordado que me agradavam: seja pelo desenho, seja pelas cores ou pelo tipo de suporte e material utilizado. Passei a criar uma biblioteca de referências. Pensava “Um dia tudo isso vai me ajudar em algo”. Descobri que há muita gente bordando, e que há diversos estilos de bordado pelo mundo.

“Uma grama de prática vale mais do uma tonaleda de teoria”

(E.F. Schumacher)

 

Aos poucos as pessoas ao meu redor e até as que me acompanhavam nas redes sociais, começaram a manifestar interesse, a me incentivarem a continuar neste caminho e este interesse por parte delas me fez acreditar que tinha algo interessante ali, sem saber exatamente o quê.

  • Quero suavizar meu trabalho de patchwork, ele é muito simétrico.
  • Quero desenvolver minhas habilidades manuais e terapêuticas por meio do bordado e eternizar a representação das minhas orquídeas.
  • Quero enfeitar a parede da minha casa nova e fazer almofadas.
  • Quero fazer sacolas e bolsas bordadas.
  • Quero aprender algo novo para poder me expressar.
  • Quero passar uma tarde batendo papo, trocar ideias, compartilhar conhecimento.
  • Quero aprender novos pontos e eventualmente misturar com meus trabalhos de aquarela.
  • Já sei bordar, mas seu trabalho é inspirador.
  • Quero descobrir minha própria potencialidade.
  • Quero trabalhar minha ansiedade.
  • Quero exercitar a paciência.
  • Gosto de arte em geral e quero aprender uma nova técnica.
  • Quero experimentar, pois sei que exige foco e concentração.
  • Quero aprender para poder presentear pessoas especiais.
  • Quero bordar a amizade.
  • Quero fazer porque gosto de trabalhos manuais.
  • Quero fazer porque agora sou avó.

Todos estes depoimentos me mostraram que são inúmeras as motivações: aspectos técnicos, apenas um passatempo, um motivo para se reunir e também tratar suas próprias questões comportamentais e emocionais. Em resumo, queriam passar algumas horas dedicando-se apenas ao manuseio de tecidos, escolha de cores de linhas e tipo mais adequado de pontos.

Um comentário se repetia a cada encontro e isso me chamava muito a atenção: “Nossa! Não pensei que seria capaz!” Fico pensando em quantas pessoas ainda não sabem do que são capazes de fazer. Mas, o que as impediria de experimentar? Medo? Vergonha? Timidez? Trauma? Falta de interesse? Ausência de coragem?

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